quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010


Meu nome é Geyse. Sou filha de uma pátria amada silva silva e de um governo alcoólatra. Cresci aprendendo que só teria futuro entrando na faculdade, mas seria muito difícil penetrar na vida burguesa do país tropical. Então comecei minha jornada estudando em escolas públicas cheias de paredes pichadas, cadeiras, mesas, lousas e armários quebrados. Professores despreparados e má alimentação.
Apesar dos percalços consegui terminar o segundo grau. Não me pergunte como. Eu também não sei. O interessante deste trajeto foi que durante minha jornada estudantil-adolescente-rebelde, o sindico do condomínio, mais conhecido como FHC, liberou o acesso às faculdades particulares. Fazendo com que a minha geração tivesse entrada tranquila em qualquer faculdade-shopping.
A minha admissão no vestibular foi incrível. Escrevi uma redação sobre o que eu achava de um assunto que eu não fazia ideia e para a minha surpresa, o meu nome estava na lista de aprovados. Fiquei tipo assim, mega feliz. Agora me tornaria uma turista. Acho que é assim que chamam quem faz faculdade de turismo. O importante é que vou conhecer um monte de gatinho.
O primeiro dia de aula foi lindo. Coloquei a minha melhor roupa e fui arrasar. Quando entrei na faculdade e segui em direção a sala de aula me senti na passarela do São Paulo Fashion Week. Passo a passo subi a rampa da minha realização. Obrigada sindico! Farei o possível para ser uma “boa” aluna. Darei o meu melhor para que meus pais se orgulhem de mim. O tempo passou e fui fazendo várias amizades. Conheci muita gente interessante que gostava de pagode.
Hoje vou para a balada depois da aula e já vou preparada. Vou vestir aquele meu vestido arrasa-quarteirão. Vou fazer uma bela maquiagem e deixar queixos derrubados por onde eu passar.
Entro na faculdade e vou subindo a rampa em direção à sala de aula. Começo a ouvir assovios e vozes em minha direção: “Gostosa”, “Piranha...!" No começo não entendi e entrei na sala. Sentei e esperei o tempo passar até chegar à hora da balada. Quer saber, vou ao banheiro. Levantei e fui feliz e sorridente ajeitar a minha maquiagem. Cabelo, olhos, boca, tudo impecável. Vou nessa! Voltar para a aula. Não me pergunte do quê.

Sai do banheiro e deparei com um monte de gente me olhando feito urubu procurando carniça. Não entendi de inicio, mas logo compreendi. “Vaca”, “Vagabunda”, “Piranha”, “Feia”. Era isso que gritavam nas minhas lindas orelhas, aquele acervo de homens loucos para tirarem meu luminoso vestido. Como podem ser tão grosseiros com uma dama “como eu”.
Consegui chegar até a sala, mas de nada adiantou. A gritaria continuava do lado de fora junto com os tapas na porta. Comecei a ficar assustada com tamanho alvoroço. Então meu professor resolveu chamar a polícia e ficamos presos ali até que as autoridades chegassem. Coloquei o avental do professor e sai envolta de três policias direto para a delegacia. Dois dias se passaram até que o primeiro jornalista me procurou. Não entendi. Só então me disseram que o vídeo estava rolando na net. Nossa, eu estava famosa.
Diversas redes de televisão, revistas, jornais me procuravam diariamente para saber mais sobre o que tinha acontecido. Não pensei duas vezes, agarrei a oportunidade e fui ao máximo de programas possíveis. Falei, chorei e até vesti novamente o meu luminoso vestido. Adoooooooro!
Recebi diversos convites e virei notícia até no fantástico. Estava linda. Passado alguns meses já fiz “lipo”, dei um trato no cabelo, mudei o figurino e agora sou uma celebridade. Linda e poderosa. Quem mandou me expulsarem. Eu poderia ser a garota-propaganda da faculdade. Tenho até o slogan: “Faça como eu, encurte o seu futuro, venha para a Unibam”. Enquanto falo essa frase, mostro o meu brilhante vestido. Mas tudo bem, agora sou uma mulher de prestígio. Adooooooro!
Esses dias eu estava na sala de espera da minha massoterapeuta e comecei a ler o jornal, então li uma notícia sobre a morte de um estudante lá em Pernambuco. Dizia que ele era estudante de medicina na Federal e que haviam atirado nele por engano. Vi a foto dele e até achei o neguinho bonitinho. Pena que ele não sobreviveu para ficar famoso “como eu”.